15 February 2010

Primeiro relance

"Parámos. Continuavámos na grande Avenida, esposa do pequeno e fedorento Rio que corria à nossa direita. Mas que marido tão repugnante. Nem a pequena pontinha de luz que vinha surgindo por trás dele, vinda de uma grande futura bola amarela, tornava-o mais agradável. Recentemente soubera-se do caso que este tal Rio tinha com a Lua. Caso sério. Sempre que esta aparecia ele seguia-a, como bom amante, deixando atrás de si o cheiro putrefacto da sua traição. O seu fundo chorava lama preta, estagnada em lixo e peixes mortos. E aí via-se a razão pela qual ele a deixara por outra mais alta e pura: cilindros de cimento oco traziam de dentro da Avenida dejectos humanos, mais papel encharcado em porcaria, ratos já há muito decompostos. Por isso ele fugia. Mas sempre voltava, arrependido talvez, pedindo desculpas. Mais provavelmente obrigado pelo serviço natural. E ela aceitava-o de novo, lavando o odor nauseabundo. Até que a Lua voltava, e o Rio esquecia-se de qualquer dever. E então, a esposa traída afogava de novo a sua mágoa no leito nojento, traiçoeiro, seco."

in, 113 by Sophie V. Mishra

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