17 April 2010
Beatriz apoiada na maçaneta só com uma perna espreita lá para fora
Beatriz abriu a porta. Espreitou antes, fazendo força na testa para concentrar a vista. Sem conseguir, recuou um passos e tentou de novo enfiar a cabeça até onde o corpo atrevia. Se houvesse algum tipo de felicidade que fosse suportável apenas por uns segundos, Beatriz vivia-a naqueles momentos. Tentava segurar o guarda-chuva meio partido na mão esquerda enquanto a direita se ocupava de tarefas superiores, segurando na maçaneta o peso do corpo desiquilibrado. Atrás de si, livros de capas velhas e apodrecidas cantavam o caminho por onde passara. Todos eles estavam até certo ponto abertos, rasgados alguns entendidos diriam. Nas paredes, prateleiras de potes e memórias caíam tremelicantes. Não realmente, no sonho. Uma mesa orgulhosamente exibindo um candeeiro, um tapete desfiado, fruta numa grande taça de barro verde, começando a espalhar-se pelo chão. Mas disto, ninguém via. O azul ciano que tragava o ambiente, iniciando a sua descida até ao vermelho mármore e amarelo lá fora, era suportável, feliz. Penduradas do tecto, folhas discutiam e berravam umas com as outras. Folhas nervosas de árvore, folhas brancas de papel. Aqui, acolá, às vezes alguma delas pintadas com figuras ao acaso, por Beatriz. Cadeiras, poltronas tigresa e old school. Dois micro-ondas falantes e velhos de falar, cortinados às ricas laranjas e roxas. Por todo o lado relógios que não sabiam dizer horas certas e pêndolos atrasados para a vida. Num canto, um cavalete arruinado pelo peso dos maus usos. Não havia espaço, não havia tempo verdadeiro, só mentiroso. No meio da sala, um banco de andas e uma corda firme junto às folhas. Estava em lado nenhum, para lado nenhum ia. Não sabia, mas também não interessava saber! "A morte, grito eu para a rua, é da cor da minha vida, qual é a diferença afinal?!"
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