A queixa dos poetas à Terra
Somos três poetas. Passámos toda uma vida escrevendo sobre aquilo que nos rodeia e que connosco interage. Hoje, porém, os três reunidos, decidimos recorrer às palavras para vos pôr a par de todas as nossas mágoas, aflições e desejos. De todos os elementos, o mais condenável é aquele que os homens pisam. A Terra.
Contudo, minha amiga, não é da tua superfície, nem tão pouco dos seres que te calcam, a quem nos vamos dirigir, mas sim ao teu interior e ao ser que lá mais se destaca.
Conheces criatura mais venenosa, cega e individualista do que aquela que habita nas obscuras profundezas do subsolo? Criatura esta que, sozinha, constrói vastos caminhos, dos quais os outros também se servem? Que ser misterioso este que, apesar de cego, tanto vê? Ainda não descobriste? Amiga! É a toupeira.
Impressionante como tu, Terra, consegues suportar, silenciosa, a presença deste animal tão vis a vis. Impressionante de facto. Tão boas qualidades. Tantos defeitos. As toupeiras são cegas, muitas por tua culpa, Terra, que não lhes deste a conhecer outra realidade. Contudo, apazigua-te, pois proporcionaste aos seus antepassados a escolha entre sair para ver, e permanecer para cegar. Menos mal, que com o passar do tempo, elas adquiriram capacidades que lhe permitiram, sozinhas, sobreviver e perdurar nas tuas cruéis profundezas.
Comecemos por falar das suas menos louváveis características, às quais as toupeiras estão sujeitas através da selecção natural. Tal como tu, Terra. Tal como nós. Sendo elas habitantes do teu interior, tornaram-se seres afastados da radiante luz, do verdadeiro saber. Saber esse, luz essa, que tudo faz crescer, que tudo amadurece, que a todos nos mantém em perfeito equilíbrio. As toupeiras, porém, não beneficiam dessa doce regalia que aos seres da superfície tanto permite ver e escolher. Por essa razão estes animais não conseguem contrariar os impulsos com os quais nasceram, mesmo que para isso recorram a métodos abominavelmente condenáveis. Mas, Terra, mais uma vez a culpa é tua, pois tiraste-lhes as orelhas que lhes permitiriam ouvir as tuas repreensões. Como se não bastasse, Terra, para além de mal ouvirem, boas são a envenenar. Mas não são apenas os seres medonhos e frágeis de que se alimentam que sofrem este horrendo destino. Não! Também, inacreditavelmente, ate os seus acabam como vítimas das suas cruéis e enormes garras, que usam para chagar ao mais fundo do teu elemento.
Não admira então que, por estas razões, as toupeiras sejam feitas inimigas tradicionais de muitos contos da superfície. Mesmo até o mais louvado e divino, que se encontra para lá de ti e que te criou, acusou a vileza destas criaturas, ao proibir os que mais te calcam de conviver com elas.
Mas não desesperes, pois nada é absolutamente desprovido de luz, nem mesmo aqueles que ousam habitar o teu interior. Atenção! Nem todas as partes do corpo das toupeiras são cobertas por pêlos negros! Estes animais são possuidores de uma força extraordinária, que usam para te afastar dos seus castigados olhos. E não só! Também para alcançar o seu certo destino, o destino que as motiva toda a vida. Para além disto, possuem também um pêlo adaptável a qualquer caminho ou particularidade do teu elemento, para que deste modo consigam atravessar até o mais atribulado dos percursos. Percursos estes que criam tão cegamente como o seu sentido, e que servem de orientação para outros miseráveis seres, vitimas da tua escuridão. Que generosidade! Que generosas são, que até para o seu veneno têm um antídoto. Uma cura que espalham e partilham por aqueles que lhes são próximos. Curandeiras venenosas, que piada!
Mesmo curandeiras, com todas estas qualidades e apesar de tão numerosos defeitos, as toupeiras, quase cegas, sujam frequentemente as suas mãos imundas, até para chegar à cristalina pureza das águas. Lagos e ribeiros. Rios e afluentes. Estes infelizes seres, enterrados em tocas a em galerias, buscam incessantemente a purificação. Pobres criaturas!
Finalmente! Terminadas as queixas ao teu elemento, Terra, permite-nos agora dirigirmo-nos àquelas criaturas de quem, durante estes tediosos momentos, nos queixámos e louvámos.
Caríssimas. Queridas. Toupeiras! Não se conformem com a escuridão, sem nunca antes terem provado o doce prazer da luz. Pondo, por um momento, o Bem e o Mal de parte, resta-nos apenas o verdadeiro saber. Saber esse, luz essa, que tudo faz crescer, que tudo amadurece, que a todos nos mantém em perfeito equilíbrio.
Fernando Tomáz, Gilbert Neves, Sophie Mishra
1 comment:
E existem tantas toupeiras!
Querida Mariana, informo-a que estou cheia de saudades da sua louvável pessoa e que lhe enviei um sobrescrito fechado pelo correio com palavras toscas que exprimem esse sentimento tristíssimo.
O teu blog e os teus posts são, como sempre, fenomenais. Adoro te, a Mariana em miniatura que vive nessa cabecinha púrpura : )
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